quinta-feira, 29 de março de 2012

Acupuntura e Educação à Distância – Em Busca de um Modelo Possível

* Artigo apresentado no Simpósio Internacional de Acupuntura WFAS em novembro de 2011.
**Paulo Frederico Medeiros Clementino

INTRODUÇÃO
Durante muito tempo a principal forma de se aprender a acupuntura foi através da relação mestre-aprendiz. Tal relação baseia-se na transmissão do conhecimento que parte de um detentor do saber para um receptor que o assimila.
Sobre esta questão, Ke-Ji Chen chama a atenção para o fato que ainda hoje, muitas pessoas acreditam ser este o melhor método de ensino da acupuntura, do que o autor discorda. Em seu artigo “The Modern Curriculum For Teaching Chinese Medicine And Relationship With Western Medicine Teaching” é destacada a necessidade de currículos relevantes às questões práticas e complacentes com as situações reais da vida cotidiana.
Atualmente, o ensino da acupuntura não se concentra na figura dos mestres que detém o saber, mas em universidades e centros de formação especializados que oferecem diversos formatos de cursos.
Xue aborda em sua produção “Comparison of Chinese Medicine Education and Training in China and Australia” importantes aspectos sobre o perfil do acupunturista que se pretende formar na atualidade. Tomando por base a Beijing University Chinese Medicine (BUCM), o autor salienta que a missão desta instituição é produzir graduados que adquiram uma base sólida nas teorias básicas, conhecimentos e habilidades necessárias para a prática da medicina chinesa, profissionais inovadores e críticos, que saibam administrar a própria carreira, além de investir na educação continuada, sendo adaptáveis às necessidades de mudanças que a sociedade apresenta .
A preocupação com a qualidade do ensino da acupuntura é de suma importância, quando se discute o perfil do profissional que se pretende formar e a qualidade da produção científica almejada.
Neste sentido, CIGNOLINI (1990) chama a atenção para as deficiências no ensino e na difusão da acupuntura. A pouca atenção dada às estratégias pedagógicas para a docência em acupuntura pode reforçar a crença de que “quem sabe, sabe ensinar”, o que acaba por “determinar a reprodução dos mesmos conteúdos e procedimentos de ensino utilizados na formação profissional por décadas” (MASETTO, 2003) .

Diante desta realidade, questiona-se o modelo baseado na mera transmissão de conteúdos e se o mesmo seria suficiente para se atingir as qualidades necessárias para o exercício da acupuntura na contemporaneidade. Autores da área da educação afirmam que esse modelo encontra-se ultrapassado para atender as demandas da sociedade moderna (MORIN, 2000) .

Piaget (1988a, p. 61) afirma que "o objetivo da educação intelectual não é saber repetir ou conservar verdades acabadas [...], mas sim levar o aluno a construir conhecimento, apresentando situações problemas a serem resolvidas, acreditando-se, assim, possibilitar aos alunos uma autonomia moral e intelectual”. Este é o perfil do acupunturista que se deve almejar.

OBJETIVOS
O objetivo deste trabalho é oferecer subsídios para a reflexão sobre questões relevantes ao planejamento, desenvolvimento, implementação e avaliação de iniciativas de educação à distância (EAD) no contexto da formação profissional do acupunturista.

Orientado pelos Referenciais De Qualidade Para A Modalidade De Educação Superior A Distância no Brasil , busca-se traçar um esboço de educação à distância que atenda às especificidades da acupuntura, considerando um grande número de iniciativas e pesquisas recentes nessa área sobre novas metodologias de ensino centradas no aluno, na resolução de problemas e no aprendizado contínuo. (BRIANI, 2001)

A fim de se explicitar o perfil do profissional que se pretende formar, almeja-se apreciar os modelos de cursos de acupuntura à distância oferecidos atualmente no Brasil e contrastá-los com as normas existentes para a modalidade.
Ademais, cumpre analisar a Educação Médica Continuada (EMC) à Distância, de forma a promover a reflexão sobre modelos de cursos práticos na área da saúde já consolidados, que podem servir de inspiração para os cursos de educação continuada em acupuntura.
Sem a pretensão de esgotar o assunto, busca-se abrir caminhos possíveis para se adequar estes cursos aos princípios legais e éticos que devem permear o ensino da acupuntura.


METODOLOGIA
Através da revisão bibliográfica, abordada de forma qualitativa e exploratória, buscou-se determinar o “estado da arte” da educação à distância e sua aplicação na aprendizagem da acupuntura. Para o levantamento dos dados foram utilizados materiais didático-pedagógicos em EAD, acupuntura e Educação Médica Continuada à distância, impressos e digitais. A busca por materiais no formato digital se deu através do site de buscas Google Acadêmico .
Para a pesquisa sobre a oferta de cursos de acupuntura à distância, utilizou-se palavra chave no buscador “curso de acupuntura à distância”, restringindo a busca somente ao território brasileiro. O material foi analisado tendo por base o Referencial De Qualidade para a Modalidade De Educação Superior à Distância no Brasil . Selecionou-se, a partir de amostras não probabilísticas intencionais, instituições de ensino que oferecessem cursos de acupuntura também na modalidade presencial, com infra-estrutura para aulas práticas.

Para a pesquisa do modelo de curso de EMC à distância utilizou-se como referência o “Programa de Educação Médica Continuada” da Associação Médica Brasileira , pela experiência já consolidada na oferta de cursos na área da saúde que envolve atividade prática.

Finalmente, buscou-se contrastar o modelo expresso nos Referenciais de Qualidade para a Modalidade De Educação Superior à Distância no Brasil com os modelos de cursos existentes de acupuntura à distância, avaliando e identificando deficiências e propondo caminhos possíveis.


RESULTADOS
A partir da definição de EAD e da adoção do referencial epistemológico construtivo-interacionista para o desenvolvimento de cursos de acupuntura à distância, destaca-se as seguintes questões:

• A concepção de educação proposta atende aos critérios exigidos pelos Referenciais de Qualidade para a Modalidade De Educação Superior à Distância no Brasil, que perpassam por permitir ao aluno relacionar, investigar, problematizar, construir o conhecimento a partir da interação, adequando-se ao ensino da acupuntura.
• Os materiais didáticos compreendem diversos tipos de mídia: impressas, digitais e audiovisuais, com especial atenção aos objetos de aprendizagem, o uso da realidade virtual, a postagem de vídeos e a utilização de videoconferência. Tais recursos são um complemento às atividades práticas, ainda que não as substitua. Assim, apresentam-se apropriados para viabilizar cursos de acupuntura à distância.
• A presença do tutor auxilia, em concordância com a concepção de educação adotada, o desenvolvimento de uma atitude autônoma por parte do aluno, instigando-o a utilizar os recursos tecnológicos disponíveis para promover a comunicação e a interatividade, o que difere de auto-instrução.
• Em um curso de acupuntura à distância, o tutor deverá ser um especialista na área e, de preferência, com formação em educação à distância ou correspondente.
• Não basta transpor os materiais impressos de cursos presenciais de acupuntura para a modalidade à distância, é preciso que sejam estruturados em linguagem dialógica, ou seja, estabelecendo-se uma comunicação com o aluno próxima à oralidade.
• A plataforma de aprendizagem (Ambiente Virtual de Aprendizagem) Moodle permite a criação de cursos de acupuntura para além da transmissão de conteúdos, promovendo a discussão de estudos de casos nos fóruns, postagens de vídeos com posterior acompanhamento pelo tutor, chats temáticos, postagens de atividades avaliativas, dentre outros recursos, sempre com alto grau de interação.
• A plataforma permite avaliar o aluno durante todo o processo e não apenas ao final de cada módulo, oferecendo dados importantes sobre o comportamento de estudo do aluno. Atende assim ao requisito de promover o permanente acompanhamento dos estudantes, no intuito de identificar eventuais dificuldades na aprendizagem e saná-las ainda durante o processo de ensino-aprendizagem.
• A comunicação oferecida pela plataforma de aprendizagem no modelo proposto atende ao princípio da interação e da interatividade, valendo-se de meios síncronos (chat, 0800 , videoconferência) e assíncronos (e-mail, fórum).
• São obrigatórios os encontros presenciais para cursos de pós-graduação à distância, sendo oitenta por cento (80%) de sua carga horária desenvolvida à distância e vinte por cento (20%) em atividades presenciais. Para cursos livres e educação continuada, orienta-se que sejam seguidos os mesmos critérios. Embora os já mencionados Referenciais sejam regulatórios apenas para a educação superior, o conteúdo desenvolvido tem por objetivo servir de base de reflexão para a elaboração de referenciais específicos para os demais níveis educacionais que podem ser ofertados à distância .
• Nas áreas do conhecimento científico fortemente baseado em atividades práticas, como a acupuntura, as instituições de ensino que venham a ministrar cursos dessa natureza deverão possuir laboratórios (ambulatórios) de ensino nos pólos de apoio presencial.


Sobre a análise da Educação Médica Continuada (EMC) à Distância destaca-se as seguintes considerações:

• É realizado através de um ambiente virtual de aprendizagem, embora seja pouco explorado para a interação.
• Ressalta a importância do diálogo entre três áreas do conhecimento– saúde, tecnologia e educação - em favor da maior consistência das propostas pedagógicas.
• Embora muito tendente à auto-instrução, permite a criação de cursos com relativa complexidade prática.
• Os cursos são “acreditados” por sociedades e associações de classe.

Sobre os cursos de acupuntura à distância oferecidos no Brasil atualmente:

• Foram analisadas três instituições que apresentavam o curso de acupuntura também na modalidade presencial.
• A primeira instituição analisada oferece a acupuntura à distância no modelo de educação continuada (curso livre). Os encontros presenciais para a prática são optativos e acontecem nos meses de janeiro e julho. Em caso de dúvida, os alunos são atendidos por telefone ou e-mail. A formação acontece de forma auto-instrutiva, através de recurso audiovisual (DVD).
• A segunda instituição disponibiliza o curso no modelo de especialização. A tutoria é realizada através do telefone e e-mail. Os encontros presenciais são obrigatórios e acontecem na própria instituição. A interação entre os estudantes ocorre somente nos encontros presenciais, sendo a parte teórica auto-instrutiva. Não foram encontradas informações sobre o material didático.
• A terceira instituição oferece a chamada “formação de acupunturistas”, não se constituindo uma especialização nem uma formação técnica, mas uma habilitação profissional para o exercício da acupuntura. A interação acontece a partir de grupos de estudos no Yahoo grupos. Os materiais didáticos incluem textos, slides e vídeos. Em alguns momentos são utilizados recursos síncronos como a videoconferência. É um curso realizado totalmente à distância, não havendo encontros presenciais obrigatórios ou opcionais para a prática.


DISCUSSÃO

Os Referenciais de Qualidade para a Modalidade De Educação Superior à Distância no Brasil constituem um conjunto de definições e conceitos de modo a, de um lado, garantir qualidade nos processos de educação à distância e, de outro, coibir tanto a precarização da educação superior, verificada em alguns modelos de oferta de EAD, quanto a sua oferta indiscriminada e sem garantias das condições básicas para o desenvolvimento de cursos com qualidade. Embora não seja regulatório para os cursos de extensão, de educação continuada ou livres, o conteúdo desenvolvido tem por objetivo servir como base de reflexão para a elaboração de referenciais específicos para os demais níveis educacionais que podem ser ofertados a distância e que possam proporcionar, no caso dos estudantes de acupuntura a oportunidade de interagir, de desenvolver projetos compartilhados, de reconhecer e respeitar diferentes culturas e de construir o conhecimento.

Percebe-se nos cursos existentes de acupuntura à distância a carência de uma concepção de educação que possa nortear a organização do seu currículo e o seu desenvolvimento.
CIGNOLINI (1990) já havia abordado esta questão no ensino presencial da acupuntura, de maneira que o que tem sido oferecido na modalidade à distância é a transposição das antigas práticas de ensino.

Também o uso inovador da tecnologia aplicado à educação e, mais especificamente, à educação à distância deve se apoiar em uma filosofia de aprendizagem e não apenas na auto-instrução, que acaba por gerar uma visão fragmentada do conhecimento. (MORIN,2000)

Percebe-se que a falta de regulamentação da acupuntura no Brasil tem criado um cenário propício para a propagação de cursos à distância em desacordo com as Diretrizes Curriculares para o Ensino Superior e os Referenciais De Qualidade Para Educação Superior A Distância. Em alguns casos, tal fato cria um desserviço tanto para a modalidade de educação, quanto para a Acupuntura e para a população que dela necessita. Pôde-se constatar a existência de um curso de formação cuja prática é totalmente negligenciada. De acordo com o Código de Ética do Acupunturista, tal constatação vem contra os princípios de “assumir seu papel no estabelecimento de padrões desejáveis ao ensino e ao exercício da acupuntura”. (CRAERJ, XI pág 2.)

Os três cursos apreciados mantêm uma forte tendência ao Instrucionismo , e dão demasiada ênfase às Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC’s), sem o devido acompanhamento pedagógico e promoção da interação.

Observou-se uma deficiência no uso das modalidades comunicacionais síncronas e assíncronas, principalmente ao não oferecer interação em tempo real entre docentes, tutores e estudantes, com o intuito de criar condições que minimizem a sensação de isolamento, apontada como uma das causas de perda de qualidade no processo educacional e um dos principais responsáveis pela evasão nos cursos à distância .

Salienta-se a necessidade de criação de uma equipe multidisciplinar para o desenvolvimento de materiais didáticos, tutoria e gestão dos ambientes virtuais de aprendizagem para cursos de acupuntura à distância. A equipe deve ser composta por especialistas em acupuntura, especialistas em EAD, desenho instrucional e web design.

A ausência do ambiente de aprendizagem virtual em todos os cursos de acupuntura à distância pesquisados constata a precariedade da interatividade entre os envolvidos, enfatizando o estudo individual, o que não possibilita a formação profissional que se almeja para os futuros acupunturistas.

Considerações Finais

Muito se avançou no desenvolvimento do ensino da acupuntura nos últimos tempos. A nova visão da formação profissional acompanha a necessidade de uma nova visão do processo de aprendizagem e a acupuntura insere-se neste contexto, buscando a formação de um profissional inovador e crítico, com habilidade necessária para o exercício da sua prática e preparado para as constantes mudanças que a sociedade apresenta.

Através da revisão bibliográfica, buscou-se discutir se o modelo pedagógico tradicional, baseado na transmissão de conteúdos, atenderia aos objetivos de proporcionar aos estudantes a oportunidade de interagir, desenvolver projetos compartilhados e de construir o conhecimento, condições necessárias para o desenvolvimento da autonomia. Constatou-se que os problemas de ensino e difusão da acupuntura apontados por CIGNOLINI (1990) refletem a pouca atenção dada às estratégias pedagógicas para a docência, sendo constatado também na educação à distância ofertada.

A EAD mostrou-se uma modalidade de educação importante ao democratizar o acesso ao conhecimento e a formação profissional contínua. Baseada em princípios epistemológicos sólidos, a modalidade vem se desenvolvendo tanto no aspecto pedagógico quanto tecnológico, de maneira que o debate crítico sobre um modelo curso de acupuntura à distância que atendesse às exigências legais e metodológicas se mostrou necessário. Diante da proliferação da oferta de cursos à distância de acupuntura que não atendem aos referenciais de qualidade propostos, torna-se importante discutir um modelo de aprendizagem que preencha tais requisitos, com o intuito de resguardar a formação de qualidade. Observou-se que a simples transposição do conteúdo e das práticas presenciais para a modalidade à distância não é possível, devendo-se atentar para as condições que a EAD exige.

Destacou-se a importância do referencial epistemológico para o desenvolvimento de cursos de qualquer natureza, seja presencial ou à distância. É a partir dele que se planeja a relação que irá se estabelecer entre tutores e alunos, o planejamento das atividades, a interação, a avaliação, a seleção de materiais e o desenvolvimento dos mesmos. A prática em acupuntura, orientada a partir deste referencial, mostrou-se viável mesmo na modalidade à distância, não se limitando aos encontros presenciais programados, mas também por recursos didáticos que simulam artificialmente aspectos da ação prática, promovendo uma aprendizagem interativa e colaborativa muito próxima da realidade e que muito pode acrescentar no ensino da acupuntura, tanto presencial, quanto à distância.

Por fim, percebe-se a viabilidade de uma vasta aplicação do ensino da acupuntura à distância na educação continuada. O modelo médico EMC à distância mostra ser possível que áreas correlatas em grau de complexidade da saúde assumam esses formatos de cursos. Para isso, torna-se necessário uma equipe multidisciplinar e um planejamento pedagógico em conformidade com as exigências da modalidade à distância.

Conclui-se ser necessário um mecanismo de “acreditação” de cursos à distância para a acupuntura, expedidos por associações e sociedades nacionais e internacionais, para que os critérios de qualidade sejam garantidos. Ações nesse sentido podem auxiliar o futuro acupunturista a buscar cursos certificados que ofereçam uma garantia de excelência da formação.

Ficam assim abertas as possibilidades desta modalidade, não havendo a pretensão de se definir um único modelo possível, mas oferecer subsídios para a produção de futuros trabalhos na área.

Nenhum comentário:

Postar um comentário